domingo, 12 de fevereiro de 2012

Jeito de falar

Pode me chamar de clichê, mas foi mesmo amor a primeira vista, logo eu que nunca acreditei nessas bobagens. Era um dia importante, eu finalmente mergulhara no meu sonho, pedira demissão e me mudaria para Paris em dois dias. Curioso que encontrar um grande amor não fazia parte dos planos, nem dos meus, nem dos dele, com aquela enorme aliança ofuscando minha vista torta. Confesso minha euforia, era minha despedida e eu estava em clima de férias sem volta; e não imaginava que a Gabi tivesse um amigo tão gato, muito menos que o levaria com ela para o bar. Por onde ele andou durante esses trinta anos? Que mundo gigante! Se o Daniel aparecesse em minha vida um pouco mais cedo, ajudaria muito; se ele chegasse antes da segunda dose de tequila, ou pelo menos antes do meu berro toca Raul aos pés do vocalista cabeludo com o jeans cheio de tachas mais justo que o meu, já estaria ótimo. Que vergonha, a Gabi contou que eu encarava seu amigo sem nem disfarçar, com o copo de vodca sempre em mãos, apertava os olhos, torcia a boca, e ficava lá, fazendo careta para o cara como que esperando por uma atitude, que óbvio não viria, afinal sua esposa irritante só estava viajando, isso não era motivo para traição; adorável fidelidade, conclui aos prantos. Saldo da balada, uma tremenda ressaca moral; mas eu juro que ô la em casa eu não falei.

Um velho amigo me cedeu um canto em seu apartamento em Paris; consegui emprego de garçonete à noite e ocupava as tardes escrevendo meu livro. Bons tempos aqueles, difíceis também. Em um desses dias só-quero-a-minha-mãe-não-vou-sobreviver, acabei na cama do ombro amigo, o que me rendeu orgasmos múltiplos e pressa em fazer as malas. Com uma garçonete lá do café, aluguei um apartamento do tamanho de um ovo, pelo menos ela fazia o turno inverso e o casulo era só meu. Conheci muita gente e alguns caras legais, nenhum como o Daniel. Será que ele me achou a idiota que me fiz parecer aquele dia? Será que ele tem facebook? As estatísticas de divorcio são bem positivas – não pense isso, Maria Eduarda. O livro acabou, era hora de voltar; estava ansiosa, com saudade de casa e ao mesmo tempo triste por deixar aquela cidade chiquérrima.

Em São Paulo, por sorte – ou talento – meu livro foi logo publicado, e com a grana comprei um apartamento. Claro que as meninas não deixariam passar em branco, o open house deveria acontecer antes da mudança. Uma noite agradável e bem divertida; só a Gabi, que sabe lá porque não havia aparecido ainda; a mensagem no celular dizia “estou chegando e levando um presentão”. Quando a porta abriu, o som parou, todo mundo sumiu, e por um segundo, só existiu ele e eu naquela sala barulhente e suja. É ele, vou desmaiar; e sem a aliança! Gabi, foi o melhor presente do mundo. A festa foi per-fei-ta; dançamos, falamos, bebemos muitas, nos beijamos em todos os cômodos e já estava descabelada antes da festa terminar. Que transa! Eu estava nas nuvens; comprovado: amor a primeira vista existe. Acordei com minha mãe ao telefone reclamando o meu atraso e eu nem lembrava que tinha um almoço. Almocei um litro de água e imaginei meu vestido de noiva. Não sou do tipo que fica grudada no telefone a espera do cara ligar, mas fiquei; e ele ligou. Disse que adorou a noite e que eu era incrível. Quero você agora! Quase gritei, e comentei sobre pizza à noite. Ele topou e completou: Vou estar passando na sua casa às oito, pode ser? – Oi? Não me lembro desse gerúndio ontem – Poxa Daniel, acabei de lembrar que não posso, hoje mesmo me mudo para Atenas; pelo que diz Chico Buarque, mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas; deve ser um bom lugar para morar; até mais.

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