sábado, 3 de dezembro de 2011

Um voo turbulento

Por incrível que pareça, cheguei ao aeroporto em tempo para um café. Comprei a Vogue e embarquei.
Tudo parecia tranqüilo se não fosse a voz estridente de uma senhora que não parava quieta. Ao meu lado um homem sem nada nas mãos e no ouvido, imaginei que talvez ele quisesse conversar e me antecipei em enfiar a cara na revista. Quando todos se acomodaram, a aeromoça passou e a tal senhora tagarela confirmou que seria um problema.
- Onde está a Mariana?
- Quem é Mariana, senhora?
- Minha neta de 11 anos que deveria ter embarcado.
- Vou verificar, senhora.
Minutos depois reaparece a aeromoça com a lista de passageiros sem nenhuma Mariana.
- Mas minha filha comprou a passagem da Mariana que embarcaria comigo, que venho de uma conexão.
- Desculpe senhora, mas sua neta não está nesse voo.
- Mas ela tem apenas 11 anos!
- Mas ela deve estar com a mãe.
- Então eu não vou mais!
Era a brecha que o gordinho que ocupava os dois braços da poltrona precisava para iniciar o já esperado diálogo. A viagem seria longa.
- Que mulher enrolada, vai atrasar o avião todo.
- Pois é.
- Você é de Porto Alegre?
- Não.
- Conhece Porto Alegre?
- Sim
- Vai à passeio?
- À trabalho.
- A 25 de março é legal?
- Tem tudo.
- Os perfumes são verdadeiros?
- Não conheço.
Pensei em me fingir de surda mas era tarde demais, aproximei a revista do rosto e quase chamei o Chapolin Colorado quando o comandante avisou que teríamos um atraso porque uma pessoa resolveu desembarcar e seria necessário retirar sua bagagem do avião. Que ótimo, será que pode melhorar? 
Ouvia-se os comentários de indignação entre os passageiros, o cara ao lado fez nova tentativa e eu coloquei os óculos como súplica para ele me deixar em paz. O avião finalmente decolou, a revista estava interessante e o homem esqueceu de mim, pelo menos por um tempo.
Fiquei levemente irritada com a reportagem sobre meninas de 20 anos, embaixadoras da Chanel, que ganham – muito bem – para usar em primeira mão as roupas, acessórios e maquiagens da marca em festas tops, hospedadas em hotéis tops e com todo paparico digno de princesa - enquanto eu seguia para uma feira de logística. Virei a página com fúria, mas me animei ao ver que a onda desse verão seria o micro shorts e me diverti com a matéria sobre looks confortáveis que insinuava ser fashion roupa com cara de pijama – não tem mais o que inventar, heim?

O comandante finalmente informou a permissão de pouso, larguei a revista por alguns minutos e meu vizinho aproveitou para tirar fotos dele mesmo. Ou comigo né! Juro, o cara tirou umas dez fotos de diferentes ângulos enquanto eu virava o rosto a cada clique para me esquivar. Era só o que faltava. Pare o avião, eu quero descer!
No hotel comi todos os chocolates que encontrei no quarto. O antídoto que eu precisava para aproveitar minha primeira visita à Porto Alegre. Ótima, diga-se de passagem.

Bate e volta

Led Zeplin berrou aos meus ouvidos às cinco horas da matina e o visor do rádio relógio informou que já estava na hora. Amaldiçoei a pessoa que agendou meu vôo tão cedo, tomei um banho rápido, me vesti e tive que escolher entre comer alguma coisa ou me maquiar. Passei duas camadas de rímel nos olhos e o interfone tocou. Peguei a mala, o casaco, a bolsa e o livro. Soltei tudo quando notei a falta das chaves. Ouvi o telefone tocar em algum lugar do apartamento, esqueci as chaves e fui em busca do telefone que estava dentro do guarda-roupa - como ele foi parar ali? Era a moça da central de taxi para avisar que o carro se encontrava no local. Obrigada, eu já percebi. Peguei as chaves, a mala, o casaco, a bolsa e o livro, tranquei a porta e o celular apitou. Olhei para a bolsa que vibrava sem parar e tudo mais que carregava nas mãos, ignorei a mensagem - do taxista inquieto - e me equilibrei no salto alto pela escada abaixo. 

Cheguei ao portão de embarque ao som daquela voz erótica e repetitiva que alertava sobre a última chamada e relaxei quando o avião decolou comigo dentro.
No quarto do hotel em Camboriú tive dúvida se agradecia ao moço educado que quase desfez a mala para mim, ou se me desculpava por não ter gorjeta, nem pra ele, nem pra mim. Sorri amarelo e quase ofereci o chocolate que avistei ao lado da cama.
Passei a manhã decidindo se iria para a feira com ou sem meia-calça, duvidando do clima tempo e desejando minha mãe para esclarecer de uma vez por todas se iria esfriar. Então reparei que a probabilidade de eu esquecer o shampoo que paguei uma fortuna seria bem menor do que esquecer a pasta de dente que nem me lembro a marca. Mas os hotéis não pensam assim. Cheguei a essa conclusão com a escova de dente em uma mão e o vidrinho de condicionador do hotel na outra. Saí sem as meias e com bafo. 

Depois da feira fui jantar com o pessoal do trabalho. Algumas doses de vodka, sushi e bate papo renderam a noite. De volta ao hotel, nem bem fechei os olhos e já era hora de partir, juntei minhas tralhas e corri para o aeroporto.
O avião decolou e meu estômago revirou. Aquela vodka foi mesmo inesquecível. De volta à São Paulo, parei em frente meu prédio cansada, enjoada e segurando a mala, o casaco e a bolsa – o livro estava guardado, devido minha incapacidade de ler naquele estado. E as chaves? Larguei tudo no chão e abri a mala para procurar. Acomodei tudo de volta em meus braços e subi as escadas quase rastejando ainda de salto alto e as duas camadas de rímel. 
E pensar que com toda essa correria, não usei nada da mala e estava de volta com a mesma roupa e o chiclete que comprei no caminho. Escovei os dentes, tomei banho e dormi.